sexta-feira, 29 de abril de 2011

Dr. BISSAYA BARRETO

O HOMEM POR QUEM O COMBOIO ESPERAVA

O texto a seguir é uma cópia extraída da página 5 de O CASTANHEIRENSE de 31 Dezembro 2010.


Reportagens como esta não posso deixar de dar publicidade, por tratar-se de uma grande personalidade de CASTANHEIRA DE PERA/Portugal, região de onde sou natural.

O autor da reportagem é :
Tó-Zé Silva - Licenciado e Mestrando em História

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Fernando Baeta Bissaya Barreto Rosa nasceu em Castanheira de
Pêra a 29 de Outubro de 1886, e faleceu em Lisboa, no “Hotel
Metrópole”, a 16 de Setembro de 1974. Era filho de um farmacêutico,
que exerceu as funções de Presidente da Câmara Municipal
de Pedrogão Grande. Foi o pai que o iniciou nas primeiras
letras, bem como na apetência para as questões políticas. Até aos
13 anos cresceu no seio de uma família burguesa, típica de um
país católico, altura em que vai para Coimbra na companhia de
uma criada, a fim de frequentar o Colégio de S.
Pedro, que frequenta até ao 5º ano, transitando
depois para o Liceu José Falcão, onde, aos 16
anos, termina o 7º Ano com a classificação de
“Muito Bom”. Após a conclusão dos estudos
liceais ingressa na Universidade de Coimbra, onde
se matricula em três cursos em simultâneo: Filosofia,
Matemática e Medicina. Em Filosofia, para se
satisfazer a si próprio; em Matemática porque
estava persuadido de que era a engenharia a carreira
vocacionada; e em Medicina para satisfazer
as tradições e o desejo da família. Em Coimbra foi
sempre um estudante exemplar, onde formou
uma personalidade de intelecto diversificado,
monopolizando os prémios académicos nos cursos
que frequentava, a par com a intervenção
ideológica e política. Em 1904 milita no campo
Republicano, influenciado tanto pelo grupo
«Juventude de Livre Pensamento», como pela
Maçonaria, através do prolongamento desta, a
«Carbonária». Entre 1906 e 1909 está entre os
que fundam, respectivamente, o «Centro Republicano Académico
» e a «Loja – A Revolta», que percutirá a criação do «Comité
Revolucionário da Carbonária de Coimbra», em vésperas do 5
de Outubro de 1910. Em 1907, recusa prestar provas em protesto
contra as medidas de João Franco e como interveniente na
Greve Académica, mas recupera no ano seguinte as disciplinas
referentes a dois anos lectivos, nos três cursos que frequentava,
e sem diminuir as altas classificações de sempre. Aliás, em 20 de
Novembro de 1908 seria laureado pelas Faculdades de Matemática,
Filosofia e Medicina, na Sala Grande dos Actos. Porém,
perante o monarca D. Manuel II recusa-se a receber os prémios,
declarando «Não conheço o Rei». Em 1911 licencia-se em Medicina
na Universidade de Coimbra, com a classificação de 19 valores
e assume o lugar de assistente de cirurgia geral. Já anos antes
finalizara os outros dois cursos (Matemática e Filosofia). Faz o
doutoramento em Medicina em 30 de Julho de 1915; em 1916
é nomeado Professor Extraordinário da Faculdade de Medicina
de Coimbra; em 1918 é Professor Ordinário da mesma Faculdade;
em 29 de Outubro de 1956 é jubilado como Professor Catedrático
da Universidade de Coimbra. Em 1927, o governo militar
saído da Revolução de 28 de Maio de 1926 nomeara-o Presidente
da Junta Distrital de Coimbra, cargo que exerceu até 1974.
Este cargo colocou-o em contacto com a problemática da assistência
pública e inspirá-lo-á a forjar um grande projecto de obra
social, multidireccionada, como reflexão das preocupações republicanas
em relação à educação nacional e à assistência pública, e
que terá oportunidade de concretizar durante a vigência do Estado
Novo. De realçar que Bissaya Barreto cultivou ao longo da
sua vida uma longa e estreita amizade com outro Professor de
Coimbra, António de Oliveira Salazar, amizade tecida desde os
primeiros tempos universitários.
Entre 1930 e finais da década de 60, Bissaya Barreto pertenceu a
uma vasta lista de Comissões e de Direcções, encarregadas de
obras relacionadas com as questões socais, que incluíam a construção
de hospitais (com atendimento gratuito), infantários e inúmeras
campanhas de saúde, norteado por dar prioridade à resolução
dos problemas sociais e assistenciais do país. Politicamente
e sob a égide do Estado Novo, fez parte da Comissão Central da
União Nacional e foi Procurador à Câmara Corporativa. Todavia,
sozinho ou com o apoio institucional e da cúpula do poder consegue,
em Coimbra (e na Região Centro) levar à prática a legislação
e a filosofia do novo Regime, alinhando com os ideólogos
do Estado Novo mas sem se submeter totalmente aos seus princípios,
procurando, antes de tudo, praticar os seus fundamentos
ideológico-sociais.
Quem o conheceu refere-se a ele como um homem de olhar
sereno, voz pausada e gestos suaves. Um homem que encontrava
o seu próprio equilíbrio no excesso e no ritmo “frenético” de
trabalho que necessitava de manter, como condição necessária
para combinar as suas muitas faculdades. Bissaya Barreto era ao
mesmo tempo Professor, Cirurgião, Clínico, Planificador e Construtor.
O seu dia começava às 7.30h, quando saía de casa. Antes disso,
já tinha reunido com os mestres das (muitas) obras que trazia em
construção. Das 8.00h às 10.00h dava aulas de Técnica Cirúrgica
na Universidade, começando depois a operar até às 13.00h, hora
a que começava a ver os doentes que teria de operar no dia
seguinte. Em seguida ia para o consultório, entre as 14.00h e as
15.00h, para receber clientes. Não almoçava, comia torradas e
uma chávena de chá entre duas visitas, continuando a atender
doentes no consultório até às 21.00h. Saía a essa hora e voltava
ao hospital para ver os doentes operados de manhã. Recolhia a
casa por volta das 22.00h, onde jantava (aqui sim, a sua grande
refeição do dia), após o que dedicava tempo para as suas investigações,
a administração das obras e a correspondência (montes
de cartas que se acumulavam nas mesas, nas cadeiras, nas estantes,
tanto em casa, como no consultório e no gabinete do hospital).
E tempo para dormir? “Sabe, tenho um sono magnífico, totalmente
reparador de 4 horas por noite”. Quando era
chamado de noite de urgência, às vezes para percorrer
distâncias com algumas centenas de quilómetros,
dormia normalmente na viagem dentro do
carro, entre solavancos e ruídos de fundo. Durante
o dia e no caso de se sentir cansado, possuía um
pequeno compartimento, contíguo ao seu consultório,
onde se recolhia durante alguns instantes. Instalava-
se numa vasta poltrona onde, passados
alguns segundos (na verdadeira acepção da palavra),
começava a dormir instantânea e profundamente
durante 5 ou 6 minutos. Passado esse
tempo reaparecia no consultório, risonho e fresco,
totalmente refeito, como se tivesse dormido 2
horas. Possuía uma saúde e uma robustez invejável,
ombros largos e firmeza no andar, apesar da frugalidade
da sua vida quotidiana. Possuía também uma
invulgar e extraordinária memória, que exercia com
genial agilidade. Para além da sua energia física,
parecia também animado por uma prodigiosa energia
moral. Conta Pierre Goemaere, escritor Belga,
que o conheceu muito de perto, e que editou um livro em 1942
dedicado a Bissaya Barreto (integrado na colecção os «Grandes
Contemporâneos»), que nunca o viu fumar, nem beber, mesmo
às refeições, senão chá.
Deslocava-se a Lisboa quase todos os fins de semana para almoçar
com Salazar (ficando hospedado no Hotel Metrópole) apanhando
o «rápido» (comboio) em Coimbra. Quando Bissaya
Barreto se atrasava a chegar à estação, o comboio esperava por
ele, e não seguia para Lisboa, sem que o distinto Médico estivesse
a bordo.
É certo que era amigo pessoal dos governantes do Estado Novo
e, em especial, de Salazar, e que isso lhe facilitava o aval de quem
tinha o poder decisório na capital, desbloqueando verbas financeiras
consideradas bem nutridas para a época e que foram canalizadas
para Coimbra e para a Região Centro. Mas temos de
reconhecer, que a totalidade desses recursos foi exclusivamente
utilizada para o bem público.
Bissaya Barreto foi sobretudo um homem de grande dimensão
ética e humana, pautado entre o cidadão politico fruto da sua
época mas, acima de tudo, pelas concepções sociológicas e
pedagógicas que sempre defendeu e com as quais construiu a
base da sua biografia. A sua obra reflecte, sobretudo, os traços
pessoais de um homem preocupado com os elos mais fracos da
sociedade.
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Eis, numa breve resenha, aquilo que constitui o legado da sua Obra Social:


24 «Casas da Criança»; 4 Maternidades; o «Portugal dos Pequenitos»; 3 Colónias de Férias; 2 Bairros Sociais; 1 Preventório (Penacova); 2 Hospitais psiquiátricos; 1 colónia agrícola psiquiátrica; 1 Leprosaria; 1 Creche/Preventório para


filhos de leprosos; 1 Centro de Reabilitação para ex-leprosos; 3 Sanatórios; 1 Instituto Materno-Infantil; 1 Casa-Mãe (Figueira da Foz); 1 Centro Hospitalar (de Coimbra); 1 Hospital Geral Central; 1 Hospital Pediátrico; 9 Dispensários


(Central de Coimbra, Arganil, Cantanhede, Lousã, Montemor-o-Velho, Penacova, Góis, Penela e Poiares); Obras de Higiene e Profilaxia Social (com dois Dispensários de Profilaxia de Doenças Venéreas de Coimbra); Brigadas Móveis;


Postos Rurais; 1 Instituto de Surdos (Centro de Recuperação em Bencanta); 1 Instituto de Cegos (Centro do Loreto); 1 Centro de Neurocirurgia; Escola de Enfermagem Bissaya Barreto; Escola Normal Social; Escola de Enfermeiras


Puericultoras; Escola Profissional de Agricultura, Artes e ofícios (Semide); Aeródromo de Coimbra (Cernache-Coimbra); Estaleiros Navais (Figueira da Foz); o Bairro Económico do Loreto; 1 Fundação com o seu nome.


[Fontes: AAVV, “Conhecer Bissaya Barreto”, in Revista do Jornal Campeão das Províncias, 08 de Maio de 2008; Barreto, Kalidás, Monografia da Castanheira de Pêra, CMCP, 2004; Castilho, Jorge, “Professor Bissaya Barreto: Um grande


Homem, um Homem do Futuro”, in suplemento do Jornal Centro, Novembro de 2008; Goemaere, Pierre, Os Grandes Contemporâneos – Bissaya Barreto, Edição «Casa das Beiras», 1942; Silva, TóZé, O Portugal dos Pequenitos


ou a Representação do País no Estado Novo: Um olhar actual sobre um património dos anos 40, 2009 (trabalho de investigação de mestrado); Jornal «O Norte do Distrito», nº 96, Dezembro de 1956 (in Site da Biblioteca Municipal


– «Imprensa Nacional»); Site da Biblioteca Municipal – «Figueiró em Imagens».]

Um comentário:

Teófilo Silva disse...

Amigo Salvador.
Como Castanheirense que sou conheço um pouco da vida do Dr. Bissaya Barreto. Mas com este seu post fiquei a conhecer melhor a vida e obra deste ilustre Castanheirense.
Agradeço-lhe sinceramente o envio de ficheiros para o meu email, principalmente o 3º Segredo de Fátima.
Um bom fim de semana e votos de uma óptima saúde para si e todos os seus familiares.