D. SEBASTIÃO "O Desejado",
n. 20 de Janeiro de 1544.
f. 4 de Agosto de 1578.
16.º rei de Portugal.
N. em Lisboa a 20 de Janeiro de 1544, sendo filho, póstumo do príncipe D. João, o único filho varão sobrevivente de D. João III, e de D. Joana, filha do imperador Carlos V.
D. João III tivera 10 filhos, legítimos e 1 bastardo, mas todos morreram em vida de seu pai, só o príncipe D. João, que nascera em 1557, chegara à adolescência, e por isso, apenas ele completou 15 anos seu pai o casou com D. Joana, filha de Carlos V, mas a sorte fatal que perseguira os outros filhos do monarca, também o não poupou, e o príncipe D. João faleceu a 2 de Janeiro de 1554, deixando sua esposa grávida e próximo do termo da gravidez. Esperavam todos com ansiedade o nascimento do neto de D. João III, porque a coroa achava-se ameaçada de ficar sem sucessão, e uma clausula fatal inserida nas escrituras do casamento da infanta D. Maria de Portugal com o príncipe D. Filipe de Castela, atribuía aos filhos deste matrimónio a herança da coroa portuguesa no caso de faltarem herdeiros directos. Era a união ibérica sempre temida e sempre detestada pelos portugueses, portanto, todos esperavam com grande inquietação o nascimento do filho póstumo do príncipe D. João, e foi com a maior alegria que se soube, a 20 de Janeiro desse ano de 1554, que acabara de nascer um filho, que ia receber o nome de Sebastião, por ter nascido no dia em que a igreja reza desse santo. Pelo entusiasmo com que aquela noticia fora recebida, se deu ao futuro rei o cognome de Desejado. Não foram os menos contentes os avós, que se viam na perspectiva de ficar sem descendência. D. João III, porém, pouco tempo sobreviveu, porque morreu três anos depois, deixando a herança da coroa a essa débil criancinha, única esperança da nacionalidade portuguesa, e que estava predestinada para nos ser tão fatal.
D. Sebastião, começou, pois, a reinar desde 11 de Junho de 1557, com três anos e meio de idade, e foi logo aclamado rei. Levantaram-se dúvidas a respeito da regência, que o cardeal D. Henrique reclamava como tio-avô do jovem monarca, e que a avó, a rainha viúva D. Catarina, assumiu em virtude dum testamento mais ou menos autêntico de D. João III. A regente, porém, era uma senhora que não deslustrava a família a que pertencia, era digna irmã de Carlos V. Inteligente e sagaz chamou para seu auxiliar o cardeal D. Henrique, no propósito reservado de o aniquilar, o que facilmente conseguiu. Para o consolar, trabalhava em Roma para que o elegessem papa, mas no governo do reino anulou-o completamente. Contudo, D. Henrique intrigava, e a rainha para acabar com esse estorvo, lembrou-se de dizer que lhe entregava completamente a regência do reino. Apanhado de improviso, o cardeal infante não se atreveu a aceitar; a sua recusa foi logo aceite e sancionada pelas cortes, que para esse fim se reuniram, e D. Catarina ficou então na posse indisputada e completa da regência. Contudo, D. Henrique tinha um poderoso auxiliar, que eram os jesuítas, a cuja astúcia confiou o êxito da sua causa. Contra eles é que D. Catarina nada pôde conseguir. Os jesuítas tanto intrigaram que afinal a rainha, em 1567, depois de 10 anos de regência, viu se obrigada a cedê-la definitivamente a D. Henrique. Esta regência durou, porém, só até 1568, ano em que D. Sebastião tendo completado 14 anos de idade, foi declarado maior. D. Henrique não era homem capaz de só por si lutar contra a sua inteligentíssima cunhada. Esta cedera, mas não tardou a tomar a sua desforra.
Apenas D. Sebastião chegou aos 14 anos, a rainha-avó tanto se moveu que conseguiu que fosse proclamada a maioridade. A regência do cardeal durara apenas um ano. Que esperanças podia o novo soberano inspirar ao povo, e qual seria a sua educação. Ficara órfão de pai, ainda antes de nascer; sua mãe partira para Espanha, mostrando-se muito despeitada por lhe não ser confiada a regência, quando morreu D. João III. A rainha D. Catarina, avó do monarca, podia ser excelente educadora, e mostrou-o resistindo por algum tempo à nomeação que lhe queriam arrancar dum jesuíta para mestre do seu neto, a que afinal cedeu. A Companhia de Jesus era já nesse tempo um colosso. O preceptor foi o padre Luís Gonçalves da Câmara. Para aio escolheu-se D. Aleixo de Menezes, homem de são critério e espírito superior. Os que detestavam a influencia jesuítica imaginaram que D. Aleixo de Menezes, com a sua autoridade exerceria maior influência no ânimo do discípulo. Mas não sucedeu assim, Sem o querer, é certo, D. Aleixo contribuiu para completar a educação do jesuíta. O padre Câmara fez de D. Sebastião um monge, e D. Aleixo um militar brioso; essas duas educações combinadas deram em resultado esse monge militar coroado, esse templário entusiasta, que arrastou Portugal é, ultima cruzada, e que nessa cruzada o perdeu. Com o seu temperamento ao mesmo tempo guerreiro e contemplativo, D. Sebastião facilmente recebeu as lições do preceptor e do aio. O padre Câmara desenvolvia no seu espírito o fervor ascético e religioso para poder fazer do rei, confiado aos seus cuidados, o fiel escravo da Companhia; D. Aleixo de Menezes, cumprindo o seu dever, ensinava lhe os brios cavalheirescos que eram próprios de um rei, e com as suas lições e com os exemplos gloriosos da sua vida ensinava-o a prezar a gloria das armas e a não temer os perigos. Ao mesmo tempo ouvia o jovem monarca a cada instante em torno de si lamentar a resolução de D. João III, que entregara aos mouros algumas praças que tinham sido conquistadas pelos nossos à custa de tanto sangue; era bem criança ainda, mas já com o espírito aberto a todas as impressões, pela sua notável precocidade, quando a defesa heróica de Mazagão exaltou o reino todo e precipitou dentro das muralhas da praça africana a flor da fidalguia portuguesa. Tudo isto concorria para o exaltar e para o excitar.
Muito inteligente, muito impressionável, aprendendo tudo de relance, D. Sebastião era por isso mais acessível do que qualquer outro é, influencia de todas estas causas. Dividia o seu tempo pelas caçadas, pelos exercícios religiosos e pela leitura de livros de história, principalmente da história portuguesa. O seu grande prazer era desafiar o perigo e procurar as agruras e os descómodos da vida montesina. Ia de Inverno para Sintra, de Verão para Salvaterra e Almeirim, em dias de temporal é que ele folgava de embarcar nas galés e de ir fora da barra contemplar, da popa dos navios, o mar embravecido. Fugia do amor com uma insensibilidade notável, tanto porque julgava esse sentimento efeminado incompatível com os seus hábitos guerreiros, porque o seu espírito religioso lhe fazia ver o ideal da vida humana na castidade ascética. Tudo concorria pois para perder o rei e o país; as qualidades de D. Aleixo de Menezes e os defeitos de Luís Gonçalves da Câmara, os seus hábitos de caçador semi-selvagem que lhe faziam desprezar a um tempo o amor e o perigo e que o impediram de deixar um herdeiro da coroa e de salvar-se por ocasião da derrota de Alcácer Quibir, quando isso lhe era ainda tão fácil. D. Sebastião tornou-se completamente um escravo dos jesuítas, que tudo tinham feito por lhe desenvolver o fervor religioso, que animavam o seu afastamento das mulheres, porque a influencia duma mulher, esposa ou amante, destruiria para sempre a influência do confessor. Este, sempre hábil, enquanto precisou de ter quem o escudasse, favoreceu o cardeal D. Henrique, criatura sua, contra a rainha D. Catarina, e quando viu que já lhe não era preciso, tratou de o inutilizar, servindo-se para isso do despeito de D. Catarina, e foi proclamar a maioridade de D. Sebastião. D. Henrique, profundamente despeitado, recolheu-se ao convento de Alcobaça, e D. Catarina, vendo logo que não podia nada em seu neto, porque, tendo-lho pedido que nomeasse vedor da fazenda Pêro de Alcobaça, homem de grande importância e merecimento, teve o desgosto de ver a sua recomendação postergada, sendo escolhido para esse legar D. Martinho Pereira, homem perfeita mente nulo, para escrivão da puridade Martim Gonçalves da Câmara, irmão do confessor, e para secretario Miguel de Moura, também uma inutilidade, de forma que os Câmaras eram verdadeiramente omnipotentes no conselho de D. Sebastião.
Havia outra influência poderosa no ânimo de D. Sebastião, que o jesuíta trataria de destruir se a morte lhe não poupasse esse trabalho. Era o velho aio D. Aleixo de Menezes, que faleceu logo em 1569, deixando ao seu pupilo umas recomendações, que ele nunca cumpriu. Aconselhava-lhe que não desse ouvidos aos aduladores que pretendessem afasta-lo de seu tio e de sua avó e foram esses aduladores omnipotentes no seu espírito; que se não entregasse nas mãos dos fidalgos moços, e foi logo o que ele fez da a breves anos; que se não lançasse em empresas temerárias e improfícuas para o reino, e houve a expedição lamentável a Alcácer Quibir; que não entregasse os cuidados do governo a religiosos, e quem governava em Portugal eram dois padres; finalmente lhe aconselhava, que não promulgas se pragmáticas incómodas para os seus vassalos, o D. Sebastião, com as tendências do seu espírito monástico, a primeira coisa que fez, foi promulgar uma pragmática severíssima. Como as cortes insistiam para que el-rei escolhesse noiva entre as princesas europeias, D. Sebastião resignou-se, e principiou a negociar-se o seu casamento com a célebre Margarida de Valois, irmã de Carlos IX. A Espanha opôs-se vivamente a esse casamento, e tratou de oferecer a arquiduquesa Isabel, mas, depois por uma mudança de politica, Filipe II casou esta princesa com o próprio rei de França, Carlos IX. D. Sebastião ressentiu-se dessa desfeita, e tomou o caso como pretexto para se recusar absolutamente a entabular novas negociações para o seu casamento. Estavam, por conseguinte, seguros os jesuítas; ainda assim receavam que a avó recuperasse sobre ele o seu antigo império, mas para se livrarem desse receio, foi suficiente insinuarem-lhe que D. Catarina queria continuar a governar à sombra dele, para que o irritável monarca se despeitasse de forma, que infligiu à avó tais desfeitas que D. Catarina se retirou escandalizada para o palácio de Xabregas, enquanto D. Sebastião passava em Santos ou na Alcáçova o pouco tempo que residia em Lisboa. Queixavam-se muito dessas constantes saídas os habitantes da capital, e com mais razão se queixaram ainda, quando, sobrevindo a terrível peste de 1569, D. Sebastião os abandonou completamente, fugindo da epidemia com a maior cobardia, ele que tantas provas dera de louca e temerária audácia. E porque em D. Sebastião o valor era uma questão de temperamento e não de consciência; não tinha o valor reflectido, que afronta os perigos para cumprir um dever, tinha o valor brutal do caçador e do soldado, a quem o perigo embriaga como um vinho ardente. Durante uma viagem que fez pelas províncias, fugindo da peste de Lisboa, praticou as maiores extravagâncias. Mandava abrir os túmulos dos reis seus antepassados, extasiava-se diante dos que tinham sido guerreiros, mostrava o mais completo desdém pelos pacíficos, principiando a inspirar a todos os mais sérios receios esta sua índole destemperada e bravia que se curvava ao jugo dos jesuítas.
Por esse tempo veio um novo facto actuar no seu espírito. D. João de Áustria ganhara a gloriosa batalha de Lepanto, e essa vitória tivera ecos infinitos na cristandade. Sentiu-se um pouco estimulado, os louros do moço príncipe espanhol, seu tio, lhe perturbaram o sono. Nesse tempo veio a Portugal um legado do papa, o cardeal Alexandrino, convidar D. Sebastião para uma cruzada contra os turcos. O monarca abraçou com entusiasmo essa ideia. Afirmou à república de Veneza que marcharia imediatamente em seu auxílio, escreveu ao Xá da Pérsia para que ele atacasse pelo Oriente o império turco enquanto os cristãos o atacariam pelo Ocidente. Enfim, chegou ao ponto de mandar dizer a Carlos IX de França, que aceitaria a mão de sua irmã Margarida de Valois se ele quisesse entrar na sua cruzada contra os turcos. Não só se resignava a esse casamento, como recusava o dote de 400.000 cruzados, e se comprometia a dar outros 400.000 mil a Carlos IX para ele guerrear os huguenotes do seu reino. O rei de França não pôde aceita esse vantajosíssimo negócio, porque Margarida de Valois já era noiva de Henrique de Navarra. D. Sebastião resolveu passar à Índia, mas dissuadiram-no dessa ideia; quis então passar à. África, de que também o dissuadiram; pensou em aprestar uma frota para ir socorrer Carlos IX nas suas guerras contra os huguenotes, mas a matança da noite sangrenta de São Bartolomeu dispensou esse auxílio. O rei de Portugal resolveu de novo ir ao Oriente, mas teve de desistir desse projecto, porque as tempestades no próprio rio Tejo lhe dispersaram a frota. D. Sebastião continuou a dar prova da mais rematada loucura. O pior, porém, foi a primeira expedição a África, em que logo ao sentiu a que loucas temeridade se poderia arrojar essa criança coroada. Em Agosto de 1574 embarcou secretamente e passou a África, sem prevenir pessoa alguma. Houve grande terror, quando se soube do seu desaparecimento sem se poder suspeitar para onde ele fora. Finalmente apareceu uma carta régia, em que participava a sua expedição, nomeando regente do reino na sua ausência o cardeal D. Henrique. As pessoas mais autorizadas lhe mandaram suplicas repetidas, pedindo-lhe que voltasse. D. Sebastião voltou, mas não foi por esse motivo, foi porque nem em Ceuta nem em Tânger encontrou ocasião de combater. Os marroquinos, apenas souberam da sua chegada, retraíram-se supondo que D. Sebastião era acompanhado de todas as suas forças do reino. D. Sebastião regressou por conseguinte a Portugal, mas decidido a voltar em estado de tentar empresas sérias.
O resultado mais importante desta expedição africana foi a convivência mais íntima que travou com uns fidalgos moços e com D. Álvaro de Castro, que, sem ser moço, era o chefe do partido juvenil, convivência de que resultou o golpe de estado que deu apenas chegou a Lisboa, e pelo qual Martim Gonçalves da Câmara caiu no régio desagrado. A influência passou então a D. Álvaro de Castro, mas D. Sebastião que em nada se importava com os negócios públicos, que tudo deixava entregue aos seus ministros, só numa coisa era intransigente, no que dizia respeito à expedição africana. Esse era o seu grande, o seu decidido empenho. Voltando de Tânger não pensava noutra coisa. Os seus validos agora eram D. Álvaro de Castro e Pedro de Alcáçova Carneiro. Foi este último encarregado de ir negociar com Filipe II um tratado de aliança contra Marrocos, e logo viu que o soberano espanhol não pensava nem por sombras em fazer uma cruzada africana, mas como hábil político, não querendo ficar com a responsabilidade do malogro de uma negociação em que o rei estava empenhado, soube fazer aceitar a D. Sebastião a ideia de uma conferência com seu tio D. Filipe. Foi a célebre conferência de Guadalupe no Natal de 1576. Nessa conferência D. Sebastião insistiu no seu projecto, alegando como pretexto político que era indispensável tomar Larache aos mouros. D. Filipe, primeiro, tentou dissuadi-lo, mas depois começou a entrever as vantagens que da realização desse projecto lhe poderiam talvez resultar, e tratou então unicamente de se não envolver a si próprio no desastre. Por essa ocasião apareceu um inesperado ensejo, que até certo ponto parecia justificar os planos de D. Sebastião. Disse-lhe o bispo do Algarve, D. Jerónimo Osório, que não desaprovava a ideia de uma cruzada contra os mouros, mas que achava inconveniente de todo o ponto a ocasião, e que devia aproveitar-se o momento em que houvesse discórdias graves entre os mouros. Ora essas discórdias deram-se, e tão graves que um príncipe, Muley Moluk, tio do soberano reinante Muley Hamed, expulsou-o do trono, e este apareceu em Portugal pedindo socorro ao rei, a quem prometia em compensação as mais largas concessões de territórios. Para prova da sua boa fé, um seu partidário entregou logo soe capitães portugueses a praça de Arzila que D. João III abandonara. D. Sebastião ficou contentíssimo com este fausto sucesso, e deliberou logo sem a mais leve hesitação, empenhar todas as forças do reino em socorrer Muley Hamed. Debalde todos, sem excepção, instaram com ele para que desistisse de tão louco intento; debalde o conselho de Estado unanimemente lhe declarou que não aprovava semelhante procedimento; debalde a rainha D. Catarina lhe suplicou e o cardeal D. Henrique e o senado da Câmara de Lisboa e os próprios embaixadores de Filipe II instaram com ele, que desistisse do intento, debalde o próprio Muley Moluk lhe ofereceu as condições mais honrosas para que a paz se não rompesse, de ninguém fez caso na sua extraordinária monomania. Ao conselho de Estado disse que o reunira, não para deliberar sobre a questão de se saber se era ou não oportuna a sua passagem à África, essa já, não admitia discussão, estava perfeitamente resolvida. Do que se tratava era de se saber o modo como se havia de realizar a expedição projectada. A Muley Moluk exigiu que lhe entregasse primeiro umas poucas de praças, ditando condições a um inimigo poderoso, mas prudente, como as ditaria a um vencido.
Se a empresa era insensata, o modo de a levar a efeito foi mais insensato ainda. No levantamento do dinheiro preciso para a expedição cometeram-se as maiores exacções que irritavam o povo extraordinariamente. Depois fizeram-se grandes levas no estrangeiro a peso de ouro, e reuniram-se terços espanhóis, alemães e irlandeses, com todos os inconvenientes das tropas mercenárias, recrutaram-se no reino uns 9 mil soldados bisonhos, fracos, que não ofereciam a mínima garantia. O corpo de voluntários da nobreza era brilhante, sem dúvida, pela bravura dos que o compunham, mas era ao mesmo tempo indisciplinado, e depois equipava-se com um luxo completamente impróprio para uma expedição militar. D. Sebastião, não só tolerava esse luxo, apesar das severas pragmáticas que promulgara em tempo, mas animava-o. Apesar de ser acima de tudo cortesão, Pedro de Alcáçova não pôde deixar de escrever uma Memoria, apontando os inconvenientes da expedição, e o modo desastroso como estava sendo preparada. D. Sebastião havia nomeado general da armada a D. Luís de Ataíde, homem de bom conselho e de muita circunspecção, e que sempre se havia oposto a esta temerária empresa; mas por isso mesmo o rei o mandou por vice-rei para a Índia, e deu o comando a D. Diogo de Sousa. Completamente desvairado, tendo-se munido da espada de D. Afonso Henriques que mandara pedir a Santa Cruz de Coimbra, e de uma coroa de ouro que devia colocar na cabeça quando se proclamasse imperador de Marrocos, partiu finalmente a 25 de Junho com uma armada de 800 velas e um exército de 18.000 homens, em que entravam soldados de todas as proveniências, que já em Lisboa haviam tido varias e gravíssimas rixas. Ao chegar a África, as loucuras continuaram. Foi D. Sebastião quem tudo quis dirigir. Para tomar Larache, que é um porto de mar, desembarcou em Tânger a 17 de Julho de 1578, e seguiu por terra, passando por Arzila e Alcácer Quibir. A marcha em Agosto era pesadíssima para os nossos soldados, que ao chegarem a Alcácer Quibir iam já mortos de fadigas.
Seguiu-se a batalha desastrosa de 4 de Agosto, que já está descrita minuciosamente nesta obra, vol. I, pág. 149; acrescentaremos que D. Sebastião, apenas sentiu o cheiro da pólvora, esqueceu tudo, os seus deveres de comandante, as ordens que dera, e arrojou se ao inimigo do espada em punho, praticando verdadeiros prodígios de valor. Quando a derrota começou, D. Sebastião nem deu por ela, mas do repente, quando percebeu que as hostes portuguesas estavam em completa debandada, compreendendo então a enormidade dos seus erros, soube expiá-los os heroicamente. Era um novo erro, porque a sua morte ia deixar o trono vago, sem sucessão. Soube morrer com brio, com uma intrepidez verdadeiramente extraordinária. Acompanhado apenas por uma porção de fidalgos, arrojou-se loucamente ao inimigo, procurando salvar a artilharia que os marroquinos levavam. Não o conseguiu, e os fidalgos que o rodeavam, esquecendo também a sua própria salvação, resgatando lambem heroicamente as culpas da sua temeridade, não pensavam senão em dar a vida para o salvar. O prior do Crato, a pé, com a espada embotada dos golpes que vibrara, todo coberto de sangue, indicava-lhe um claro nas fileiras muçulmanas por onde podia ainda salvar-se, mas D. Sebastião não o atendia. Já não tinha a exaltação febril da coragem, mas a resolução fria de lavar com todo o seu sangue a sua culpa enorme. Já não podia fugir, mas podia comprar a vida com a perda da liberdade. Rendei-vos, senhor, dizia-lhe D. Francisco de Mascarenhas, e ele, meneava trinta e negativamente a cabeça. Só nos reata morrer, acudiu D. João de Portugal. Morrer, sim, respondeu o monarca com voz abafada, morrer, sim, mas devagar. Cristóvão de Távora, querendo salvá-lo à viva força, acenou a um mouro que viu próximo, para que viesse tomar-lhe a espada, mas D. Sebastião percebendo, disse bruscamente: Não, não a liberdade real só se há de perder com a vida. E metendo esporas ao cavalo com verdadeira fúria, sumiu-se nas fileiras muçulmanas vibrando para um e outro lado as mais formidáveis cutiladas. Debalde, os fidalgos tentaram segui-lo, mas D. Sebastião tomara-lhes tão grande avanço, que foi impossível alcançá-lo. Desapareceu, e da sua sorte nunca mais se soube. O povo não quis acreditar na sua morte, e formou se em torno do seu nome, não só uma lenda, mas uma seita, que ficou conhecida por Sebastianistas. Mas a morte do infeliz monarca foi oficialmente reconhecida, e a coroa caiu por infelicidade em seu tio, o cardeal D. Henrique. Em 1582 o cadáver suposto ou verdadeiro, veio para Portugal, e foi enterrado num túmulo da igreja de Belém, onde se escreveu um pequeno epitáfio em latim, que deixa transparecer a dúvida, porque diz: Aqui jaz, si vera est fama ...
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Entre as diversas obras, que se tem escrito acerca do reinado de D. Sebastião, conta-se a Historia Sebastica, de Fr. Manuel dos Santos, publicado em 1735. D. Sebastião usava a empresa de umas estrelas de cinco pontas com a legenda Celsa serena favent. Esta se encontra numa medalha que lhe foi dedicada, reproduzida na Memoria das Medalhas de Lopes Fernandes.
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